O Violeiro do Temporal
Pedro Penido
Começava a chover.
Num canto, ao longo do caminho, um velho sentava-se à beira dumas ruínas e tocava um violão. Impressionava que a chuva fosse capaz de arrastar tudo em seu caminho, menos o velho de seu assento e seu assento do chão. E, enquanto ele ensaiava alguns desafinos, eu ensaiava meus passos no meio do temporal. Como se o velho pudesse me ver em meus desatinos, tocava um blues alucinado paras as ruas que agora eram vaus.
E o som vinha estranho, torcido e distorcido pela tempestade. Vinham sons de violão a cada clarão. Era um dueto sem platéia, sem produção. Ali, em insana harmonia, cooperavam na sinfonia os acordes do velho e os urros do trovão.
Meus passos eram surdos e meu ritmo lento. Nada comparado aos ágeis dedos do velho que arrancavam melodia do caos da tempestade e jogavam no ar a sinfonia de um absurdo instante de loucura e razão.
Entre meus passos, tragos vomitavam fumaça que se misturava às brumas da chuva forte. Ao longo do caminho a imagem do velho que tocava aos ventos ficava para trás, mas seu som não perdia força. Sequer perdia o velho a concentração. Meu cigarro, guerreiro da tempestade, meu vício sombrio, dava-me ínfimos sabores de prazer em nefasta e promíscua (talvez suicida) ilusão, enquanto ao longo da noite de temporal era o velho que destilava sua loucura e majestade em cada gemido e grito daquele violão.
Ele sabia que meu caminho era longo, estranho, intenso e absurdo. E também sabia que o dele não. Talvez estivesse naquela melodia da tempestade o segredo da sabedoria que o velho tinha nas mãos.
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