Pensamentos e Baforadas
Pedro Penido
Às vezes precisa-se apenas de uma maneira de justificar a morte. Algo que faça brotar na consciência algum tipo de salvo-conduto. Algo que permitia uma - ao menos uma - chance de sonos tranquilos de vez em quando. E era exatamente isso que corria por seus pensamentros à medida que caminhava em direção à porta.
Caminhava...
Até que parou por um instante. Tenso. Intenso. Preocupado com suas escolhas e decisões. As mãos inquietas buscavam algo nos bolsos da calça e do sobretudo.
Apanhou e acendeu um cigarro, recostou, baforou e pensou... pensou e baforou... outro cigarro... mais baforadas... E arruinou-se, ali, naquele instante. Constatou quaisquer que fossem as forças conspirando naquele momento, sua condição, náufrago, era a maior verdade de todos os tempos. Ali, o pouco que seus olhos poderiam emanar de futuro cessou. Ali, naquela última baforada, recompôs-se e caminhou determinado para o lugar onde cometeria seu primeiro assassinato.
Parou de pensar. Tomou o último fôlego e preparou-se para sacar a arma e surpreender seu inimigo. Um tiro, ele julgara, seria necessário. E para tanto havia praticado uma ou duas vezes. Era o momento da verdade, aquela mesmo que se apresentara instantes antes.
Tocou a arma. Sentiu-a fria e pesada. Parecia não surtir o mesmo efeito dos momentos de prática. Percebeu que tudo pode ser melhorado com o treinamento, exceto a inevitabilidade de situações como esta e a impossibilidade de reagir de modo diferente. Decidiu-se. Afastou-se da porta e tomou embalo para acertá-la com muita força.
Assim que projetou-se para o golpe um disparo foi ouvido. O som ecoou pelo corredor e retumbou como um trovão. Sentiu o tremor seguindo de imenso frio na espinha. Muitas coisas passaram por seus olhos, até que caiu de joelhos, em espanto absoluto, em choque. E deixou cair o olhar, seguido por uma guinada da cabeça para frente, até que percebeu um sombra à sua frente. Reuniu o resto da força que tinha para erguer a cabeça e fitar seu matador nos olhos, transmitir-lhe o horror da morte, cravado nos olhos da vítima.
Mas antes que pudesse completar o movimento outro disparo, agora ensurdecedor, dolorosamente ensurdecedor, fora efetuado. Sentira força bruta novamente no peito. O movimento o jogou ao chão já indiferente a qualquer estalo. Morrera. Permanecendo sua vítima e seu assassino apenas um resto, eternamente desconhecido.
O homem à sua frente limpa arma. Joga-a longe. Retira as luvas e passa por cima. Guarda-as no bolso, de onde retira um cigarro, da mesma marca, do mesmo gosto... Coloca-o na boca, acende e bafora. Mas não há pensamentos quaisquer. Só baforadas.
Há quem prefira não ter que justificá-la.
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