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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O natal de todos os dias

O natal de todos os dias
Pedro Penido

O que se espera do mundo não é a representação simbólica de uma única data, mesmo que esta seja muito especial para muita gente. O que se espera do mundo não deveria caber nos limites de nossos sentimentos. O que se espera da vida não deveria caber na fugacidade dos horizontes do mercado, de nossos ritos sociais, tradições feudais e protocolos dum códice mais dedicado às máscaras que às essências.

É muito fácil ver-se no emaranhado dos submundos teatrais ensejados pelos ares natalinos. Muitos estão atados mais ao simbolismo que à prática de seu significado. Mas ainda assim, mesmo diante desse até ‘estranho’ simbolismo do natal, ecoamos em nossos atos e dizeres, um pouco de um sentimento comumente compartilhado. O mesmo sentimento que, na crença cristã, levou seu messias da vida mundana à eternidade martirizante da cruz numa tarde no Calvário. Este sentimento, talvez o de suporte mais genuíno e válido na cristandade, reverbera pouco e ainda tímido em tantos de nós, nos cotidianos dos anos que passam.

Mas nós, homens de carne e ossos, somos pequenas caixas de pandora. Quando abertos, descarregamos - independente de crença, religião, código de conduta ou histórico civilizatório – todos os males do mundo. Da espada do cruzado que mata um ‘infiel’ indiscriminadamente à palavra do cristão que legitima quase ‘naturalmente’ a morte daquele que pouco lhe serve, lhe importa. Como se vidas fossem números. E vice-versa, claro.

E também, tal qual o mito de Pandora, guardamos em nós o maior de todos os ‘males ou dons’, segundo a mitologia grega: a esperança, na lenda também interpretada como a credulidade irracional. Mas a credulidade irracional responde a estímulos também irracionais, mas não desimportantes ou vazios. Esperar o bem dos cenários mais bizarros e horrendos. Apostar na prevalência do amor ao próximo ante o desdém generalizado. Esperar o melhor de cada ser humano. Essa é a credulidade irracional mais suportável de todas. Ironicamente, é o pêndulo de nossas vidas.

‘Amar ao próximo’ não é um postulado exclusivo dos cristãos. Existia bem antes de Jesus e continuará existindo. Talvez seja até mesmo um senso natural de autopreservação típico em várias espécies de mamíferos.

Portanto, não esperemos milagres, cá, circunscritos aos ditames de um modus vivendi influenciado e viciado por macroestruturas interpostas entre nós e os outros (os outros nós). Avancemos para além do que a tão sarcasticamente casta “publicidade natalina” faz brotar em nós. Não nos convençamos que a data é o gatilho do que esperamos para o mundo. Seja qual for a sua religião ou a sua não-religião, supere a típica tradição natalina das últimas semanas do ano. Transforme-a na realidade e na inspiração de todos os seus dias.

Desvencilhe-se dos aparatos simbólicos que lacraram, em um conjunto de dias, aquilo que seu coração faz pulsar quente e forte quando é apenas você mesmo, sendo e/ou fomentando e/ou desejando o que restou da sua caixa pandora: a esperança. Esta credulidade irracional vinda daquelas fontes irracionais que levam cristos ao martírio pela salvação de todos e tantas outras pessoas a ser o que se pode ser de melhor.


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